quinta-feira, 24 de setembro de 2009

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Vi uma lesma pregada na existência mais do que na / Pedra. / Fotografei e existência dela.



Esse é um trecho da poesia O FOTÓGRAFO do livro Ensaios Fotográficos de Manoel de Barros. Sua presença aqui se deve ao que já havia me ocorrido quando pensei o tema do post anterior: TransLucidez e Opacidade. E por conta ainda de uma relação um pouco distante, mas possível graças ao livre espaço de escrita que é o blog In Time. Explico.
O subtítulo da crítica de meu amigo Fabão, também conhecido como Fabio Costa, sobre o filme Pierrot Le Fou, de JLGodard é: o mais profundo é a película. Bem sugestivo, não? No texto, ele adentra um pouco no universo criativo do cineasta e nos apresenta sua trajetória, que se inicia com filmes com uma estrutura narrativa, digamos, ainda convencional, para chegar a um modo autoral de composição de filmes que evidencia a superfície da tela, num jogo continuo entre representação e desvelo da linguagem que faz representar.
Fabão cita uma fala do personagem principal do filme, Ferdinand, que diz: “Tenho uma idéia para um livro. Ao invés de ser sobre a vida das pessoas, seria sobre a vida, a vida como uma coisa própria, o que está entre as pessoas, o espaço, som e cores. Isso valeria à pena. Joyce tentou isso, mas deve ser possível fazer melhor”. Foi essa passagem que me remeteu ao poeta de Barros, mas antes vale o registro da aparente contradição: através de seu programa estético Godard leva ao extremo a necessidade de tornar evidente os meios da representação, numa postura de deslocar seu expectador do espaço de apreensão desinteressada da obra cinematográfica. Uma forma talvez de tornar obvio que nosso campo de significação, ou nossa realidade mesma, se dá pela linguagem. A linguagem é a realidade, e verso e versa. Por outro lado expõe através de uma personagem a vontade de expressar a própria vida através da arte, de alcançar algo que nos é fugidio ou inapreensível, justamente por estar alem do que aparentemente a linguagem é capaz de nos oferecer.
Manoel de Barros nos propõe algo assim com suas metáforas, e ao dizer que queria fotografar o silêncio, na mesma poesia do título, me fez lembrar Godard. Os versos são os seguintes:


Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silencio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.

Conversando com Sir Eduardo Saphira sobre o tema do post ele lembrou de outras duas perspectivas de criação cinematográfica que também apontam para posturas diferentes em torno desse valor de velo e revelação. O mar de Fellini em E La Nave Vá é quase uma brincadeira com o pouco que precisamos de elementos para embarcar numa história. E ao mesmo tempo que nos insere numa trama apresentada no limiar da irrealidade, abre o quadro no final do filme a ponto de mostrar a traquitana montada para simular uma Nave. Por outro lado temos o banquete de mendigos no filme Viridiana de Buñuel, que providenciou roupas de mendigos, mendigos mesmo, para vestir seus personagens e dar a cena um forte caráter realista.
A arte chama em causa a materialidade da linguagem, e torna mais visível essa relação. Olha só que passagem interessantíssima do filósofo Luigi Pareyson, ao escrever sobre a Leitura da Obra de Arte: ...não há obra de arte em que não penetre a vida, arrastando os mais diversos valores consigo, e que não reingresse na vida, nela desempenhando as mais diversas funções além da artística, mas, por outro lado, a vida nela penetra precisamente sob forma de arte, e só como arte ela reingressa na vida, vindo ao encontro das mais diversas necessidades. Também a esse respeito não é possível, portanto, separar as duas coisas na leitura, e cair num esteticismo que isola o valor artístico da obra ou num funcionalismo estético que só tende a utilização mediata ou imediata dela.
A obra de Pareyson aponta para a “artisticidade” do fazer em geral e ressalta a arte por ser um processo que age sobre si. O equilíbrio de concepções aparentemente opostas caracteriza seu pensamento. E chamando-o em causa para falar de nossa translucência e opacidade talvez cheguemos a uma síntese desse processo que não exclua nem uma das duas perspectivas, mas que as incorpore numa dinâmica inevitável de nossa relação com o mundo, com a arte e o conhecimento. Isso não significa acomodar as tensões existentes no nosso processo de leitura da obra ou de significação das coisas. A linguagem não é apenas uma ponte que nos possibilita conhecer e comunicar, mas também não é uma criação inteiramente autônoma dos fenômenos externos. Há um campo de retornos entre o mundo e nós, que alterna suas representações, ou melhor, nossas representações. Aí está certamente uma fonte fecunda não apenas da expressão artística, mas do conhecimento. E talvez por isso, expressões distintas de artistas como Caetano e Wally, mesmo que aparentemente opostas, dialoguem diretamente, cumpliciando um plano ulterior do debruçar-se sobre a vida; para entoar uma voz de clareza e opacidade, através da beleza do medo e do encantamento de perceber tanto a superfície quanto a profundidade da matéria que nos forma e nos lança no ar!

terça-feira, 30 de junho de 2009

TransLucidez e Opacidade – entre Caetano e Waly


Cinema Transcendental é um dos discos mais bonitos de Caetano, na minha opinião. E por isso a brincadeira do trans, que atualmente transforma tantas palavras. Vi recentemente os dois, Waly e Caetano, em filmes. O contraste da perspectiva artística de cada um me chamou a atenção.
Os filmes em questão são: Pan Cinema Permanente, uma bela construção poética da relação entre Carlos Nader, o diretor do filme, e Waly Salomão, que juntos em muitos momentos durante quinze anos filmaram viagens mil; e Coração Vagabundo, que mostra os bastidores da turnê de Caetano por Nova Iorque e Tóquio com o show Foreign Sounds. Pan Cinema é um filme primoroso, Coração Vagabundo, um belo registro daquele momento de Caetano. Filmes de grandezas diferentes.
O que me chamou a atenção, talvez por assistir os dois filmes na sequência, é a clara oposição entre as posturas dos dois artistas. O Pan Cinema nos mostra a todo momento Wally transbordando expressividade, falando e fazendo loucuras, provocando situações inusitadas, provocando tudo e a todos. As falas do filme comentam reiteradamente como Wally assumiu o mundo como teatro e tratou de levar ao extremo suas personagens e interpretações. O próprio Waly fala que não há transparência, há opacidade. Então, que enfeitemos nossas superfícies de atuação e representação por que vivemos nelas e pronto! Quem quiser que acredite e cultive o que está atrás do espelho.
Em Coração Vagabundo Caetano nos fala com claras palavras que não gosta nem estimula a posição do artista excêntrico que parece mais confundir do que elucidar coisas com suas obras e expressões. E, usando esse termo exato, opacidade, afirma a clareza! Acho realmente que Caetano seja um artista da clareza, que nos quer mostrar o obvio, mesmo que para isso nos exija transcendência. Para nós e para o poeta a terra não está nua, mas ele a desnuda pela poesia e pela música.
Os dois eram amigos e se admiravam. Waly infelizmente faleceu em 2003. O Pan Cinema me emocionou muito. Caetano respirando a desolação de Los Angeles, também. O embate entre opacidade e translucência não é novo e não vai terminar, acho que volto em breve a falar mais sobre isso...

segunda-feira, 1 de junho de 2009

meditações


Estou relendo Sexus, de Henry Miller. Constatei que não lembro bem a primeira vez que li. E na verdade nem tinha chegado ao fim, mesmo gostando muito do escritor. Sempre o olhei na estante sabendo que um dia o leria, sem preocupação de quando exatamente. Pois não é que justo nesse momento, tão especial e específico na vida que é a chegada da primeira filha, me veio às mãos o dito. No início me perguntei inclusive se era mesmo o momento de compartilhar com Miller de suas muitas buscas de expressão e liberdade, sua profusão de idéias, de instintos, de rupturas... achei inicialmente que seria uma experiência um tanto áspera, e um pouco forçosa a tentativa de conciliar com o frescor e a beleza pura de uma criança linda começando a vida. Me enganei. Miller, muito mais do que nos conduzir por estímulos eróticos, que ele também faz, e faz bem, nos propõe muitas meditações que naturalmente brotam de suas páginas entre tantos e tão sinceros relatos de suas experiências.

Coisas do tipo: A pessoa realmente séria é jovial, quase despreocupada. E eu desprezava as pessoas que, por carecerem de lastro próprio, carregavam o peso dos problemas do mundo. O homem que vive preocupado com a condição humana ou não tem problemas próprios ou se recusa a enfrentá-los. Estou falando da grande maioria, não dos raros emancipados que, depois de muito refletir sobre tudo, tem o privilégio de identificar-se com toda a humanidade e, assim, desfrutar o maior de todos os luxos: servir.

Ou num outro momento em que é arrebatado pela expressão de felicidade de um homem que de forma inusitada externa seu amor à mulher: Desconfiamos do que é estável e bem ancorado, do que se mostra impermeável a nossas lisonjas, à nossa lógica, à nossa ruminação coletivizada de princípios, às nossas formas antiquadas de lealdade.
Um pouco mais de felicidade, pensei comigo enquanto escutava as palavras do rapaz, e ele se transformaria no que se chama de um homem perigoso. Perigoso por que ser feliz o tempo todo seria atear fogo ao mundo.Fazer o mundo rir é uma coisa; torna-lo feliz é uma coisa muito diferente.

Finalizando esse post transcrevo algumas partes das meditações de Henry Valentine( curioso esse sobrenome, não?) Miller sobre o impulso e o fazer artísticos.
O indivíduo criativo (ao engalfinhar-se com seu meio de expressão) deveria experimentar uma alegria que pelo menos contrabalance, quando não supere, a dor e a angustia que acompanham a luta para se expressar.
É só na medida que ele percebe mais vida, a vida abundante, que se pode dizer que vive em sua obra. Se não houver essa percepção, não haverá sentido ou vontade em substituir a vida puramente aventurosa da realidade pela vida imaginativa.
... o grande segredo jamais será apreendido, mas incorporado em sua própria substância. Precisa tornar-se parte do mistério, viver não só com o mistério mas também no próprio mistério. A aceitação é a resposta: ela é uma arte, e não um desempenho egoísta por parte do intelecto.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Trabalho-Imposto

Todos os anos nesse mesmo período, abril maio, sai uma pesquisa indicando o quanto em tempo de trabalho nós, brasileiros, pagamos de imposto. Foi capa do jornal A Tarde de segunda, se não me engano. 147 dias trabalhados no ano vão em impostos para os governos federal, estadual, municipal. Numa conta rápida, 365 é o total, 100 vai ali, x pra cá, então: 147 representa aproximadamente 40% do nosso tempo de trabalho, ou do resultado dele transformado em verba pública. Se tivéssemos o retorno social que estados como o da Inglaterra oferecem aos seus cidadãos, acharia esse numero razoável. Mas estamos a léguas de distancia da qualidade e do comprometimento do serviço público de muitos e muitos paises do mundo.
Lembro de ter lido, um desses anos, que mais ou menos um mês e meio desse período de “trabalho-imposto” representa a soma dos valores desviados por corrupção e apurados em alguma investigação. Isso quer dizer que quase um terço dos impostos arrecadados ganham outro destino: o bolso dos muitos projetos de Daniel Dantas( e do próprio, é claro!) que o Brasil produz com muita eficiência. Resta perguntar, mesmo sabendo que não teremos resposta, qual o volume da corrupção que não é detectada. Imagino que seja maior do que a que vem à tona. Enfim, a conclusão óbvia a que quer chegar é que NÓS, BRASILEIROS, TRABALHAMOS ESSENCIALMENTE PARA SUSTENTAR A CORRUPÇÃO DO PAÍS!!!
E não adianta nosso querido futebol, ou nossa televisão, nossa musica extraordinária, nosso cinema franciscano. Nunca seremos uma nação se continuarmos vivendo essa esculhambação institucionalizada. Acho que esse problema é nuclear, determinante; e é responsável, junto com outro problema de mesma gravidade, que é a injustiça social, por manter o Brasil abaixo dessa linha imaginaria, e ao mesmo tempo muito real, da dignidade, do respeito, do vislumbre de uma organização social equilibrada. Do sentimento, piegas que seja, de nação.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

iniciais

o nome vem de uma passagem de Mr. Tambourine Man, Bob Dylan.
livre apropriação
metáfora musical

a motivação do blog é estar também aqui
expondo impressões variadas
da factualidade à imaginação

o tempo dará forma e ritmo a esse espaço,
e determinará sua longevidade.