terça-feira, 30 de junho de 2009

TransLucidez e Opacidade – entre Caetano e Waly


Cinema Transcendental é um dos discos mais bonitos de Caetano, na minha opinião. E por isso a brincadeira do trans, que atualmente transforma tantas palavras. Vi recentemente os dois, Waly e Caetano, em filmes. O contraste da perspectiva artística de cada um me chamou a atenção.
Os filmes em questão são: Pan Cinema Permanente, uma bela construção poética da relação entre Carlos Nader, o diretor do filme, e Waly Salomão, que juntos em muitos momentos durante quinze anos filmaram viagens mil; e Coração Vagabundo, que mostra os bastidores da turnê de Caetano por Nova Iorque e Tóquio com o show Foreign Sounds. Pan Cinema é um filme primoroso, Coração Vagabundo, um belo registro daquele momento de Caetano. Filmes de grandezas diferentes.
O que me chamou a atenção, talvez por assistir os dois filmes na sequência, é a clara oposição entre as posturas dos dois artistas. O Pan Cinema nos mostra a todo momento Wally transbordando expressividade, falando e fazendo loucuras, provocando situações inusitadas, provocando tudo e a todos. As falas do filme comentam reiteradamente como Wally assumiu o mundo como teatro e tratou de levar ao extremo suas personagens e interpretações. O próprio Waly fala que não há transparência, há opacidade. Então, que enfeitemos nossas superfícies de atuação e representação por que vivemos nelas e pronto! Quem quiser que acredite e cultive o que está atrás do espelho.
Em Coração Vagabundo Caetano nos fala com claras palavras que não gosta nem estimula a posição do artista excêntrico que parece mais confundir do que elucidar coisas com suas obras e expressões. E, usando esse termo exato, opacidade, afirma a clareza! Acho realmente que Caetano seja um artista da clareza, que nos quer mostrar o obvio, mesmo que para isso nos exija transcendência. Para nós e para o poeta a terra não está nua, mas ele a desnuda pela poesia e pela música.
Os dois eram amigos e se admiravam. Waly infelizmente faleceu em 2003. O Pan Cinema me emocionou muito. Caetano respirando a desolação de Los Angeles, também. O embate entre opacidade e translucência não é novo e não vai terminar, acho que volto em breve a falar mais sobre isso...

segunda-feira, 1 de junho de 2009

meditações


Estou relendo Sexus, de Henry Miller. Constatei que não lembro bem a primeira vez que li. E na verdade nem tinha chegado ao fim, mesmo gostando muito do escritor. Sempre o olhei na estante sabendo que um dia o leria, sem preocupação de quando exatamente. Pois não é que justo nesse momento, tão especial e específico na vida que é a chegada da primeira filha, me veio às mãos o dito. No início me perguntei inclusive se era mesmo o momento de compartilhar com Miller de suas muitas buscas de expressão e liberdade, sua profusão de idéias, de instintos, de rupturas... achei inicialmente que seria uma experiência um tanto áspera, e um pouco forçosa a tentativa de conciliar com o frescor e a beleza pura de uma criança linda começando a vida. Me enganei. Miller, muito mais do que nos conduzir por estímulos eróticos, que ele também faz, e faz bem, nos propõe muitas meditações que naturalmente brotam de suas páginas entre tantos e tão sinceros relatos de suas experiências.

Coisas do tipo: A pessoa realmente séria é jovial, quase despreocupada. E eu desprezava as pessoas que, por carecerem de lastro próprio, carregavam o peso dos problemas do mundo. O homem que vive preocupado com a condição humana ou não tem problemas próprios ou se recusa a enfrentá-los. Estou falando da grande maioria, não dos raros emancipados que, depois de muito refletir sobre tudo, tem o privilégio de identificar-se com toda a humanidade e, assim, desfrutar o maior de todos os luxos: servir.

Ou num outro momento em que é arrebatado pela expressão de felicidade de um homem que de forma inusitada externa seu amor à mulher: Desconfiamos do que é estável e bem ancorado, do que se mostra impermeável a nossas lisonjas, à nossa lógica, à nossa ruminação coletivizada de princípios, às nossas formas antiquadas de lealdade.
Um pouco mais de felicidade, pensei comigo enquanto escutava as palavras do rapaz, e ele se transformaria no que se chama de um homem perigoso. Perigoso por que ser feliz o tempo todo seria atear fogo ao mundo.Fazer o mundo rir é uma coisa; torna-lo feliz é uma coisa muito diferente.

Finalizando esse post transcrevo algumas partes das meditações de Henry Valentine( curioso esse sobrenome, não?) Miller sobre o impulso e o fazer artísticos.
O indivíduo criativo (ao engalfinhar-se com seu meio de expressão) deveria experimentar uma alegria que pelo menos contrabalance, quando não supere, a dor e a angustia que acompanham a luta para se expressar.
É só na medida que ele percebe mais vida, a vida abundante, que se pode dizer que vive em sua obra. Se não houver essa percepção, não haverá sentido ou vontade em substituir a vida puramente aventurosa da realidade pela vida imaginativa.
... o grande segredo jamais será apreendido, mas incorporado em sua própria substância. Precisa tornar-se parte do mistério, viver não só com o mistério mas também no próprio mistério. A aceitação é a resposta: ela é uma arte, e não um desempenho egoísta por parte do intelecto.