sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A Política Possível de Tanovic

11 de setembro, produção franco-britânica idealizada por Alain Brigand,  é um filme político. Ou mesmo antes disso, uma ação política. A obviedade da primeira afirmação talvez possa ser questionada pela abrangência da segunda. Um filme que reúne 11 curtas de durações exatas – 11 minutos 9 segundos e 1 frame - uma referencia à data do título, 11/09/01, cujo elo principal de ligação são os atentados às torres gêmeas do World Trade Centre nos estados unidos teria alguma chance de não ser político? Há quem diga, não conheço mas há de haver, que todo filme é necessariamente político. Nesse caso especificamente parece difícil de imaginar o contrário. Mas, e enfim, explico a aparição não tão obvia assim da afirmação primeira.
  O cinema americano, e mais especificamente o cinema da indústria cinematográfica americana, assume ou tem um gosto especial por seus embates e afagos com o resto do mundo. E aqui me permitam essa dualidade, já que assim se porta parte considerável de sua cinematografia. São inúmeros os filmes que abordam o mal soviético no período da guerra fria, outros tantos sobre a presença norte americana em guerras – Vietnam, Iraque - e mais recentemente muitos que contrapõe à civilidade do império os bárbaros terroristas. O que esperaríamos então de um filme que reúne onze cineastas para produção de curtas – formato já utilizado com outros propósitos - em torno de um fato tão delicado para os americanos?

Caso esse fosse um produto da indústria americana provavelmente sairíamos da sessão, depois de alguma indignação e muito choro, certos de que nós - nós? – cidadãos ocidentais civilizados jamais iremos sucumbir aos desvarios do terrorismo. Mesmo esse desenho simplório de abordagem da questão não tiraria do filme seu caráter político. Porem essa não é uma produção típica dos grandes estúdios yankees e reúne cineastas  não apenas de lugares variados do mundo mas que expressam forte teor crítico em suas obras. O caráter político do filme, então, se complexifica, mesmo que não haja propriamente em nenhum dos curtas que o compõe uma crítica direta ou qualquer tipo de hostilidade às muitas ações condenáveis dos Estados Unidos. Mesmo assim o filme foi rejeitado por parte da crítica e do público norte americanos, que o acusaram senão de pouco sensível ao horror dos atentados, de ser conivente com eles. Fato que possivelmente atesta a complexidade política afirmada acima.
O curta metragem do cineasta bósnio Danis Tanovic certamente não é ofensivo aos norte americanos, mas possivelmente não aborda o atentando do 11 de setembro nos padrões que gostaria o publico que tem como principal ou mesmo único item do cardápio de filmes as produções da indústria cinematográfica.
Tanovic, em seus pouco mais de 11 minutos de filme, faz uma aproximação entre o sofrimento de seus conterrâneos e o dos norte americanos. Tal paralelo é construído aos poucos ao longo do filme, que nos apresenta gradualmente informações que criam ao final uma cumplicidade entre os dois povos, que fora desse contexto seriam tidos como opostos, entre oprimidos e opressores. A singeleza do filme beira ser piegas, e seu curto tempo não favorece à narrativa dar densidade dramática à protagonista e à trama, mas, por outro lado, dá conta de coloca num mesmo patamar experiência tão díspares no tabuleiro dos conflitos internacionais.
Seguindo a linha narrativa do filme, somos apresentado na primeira sequência a personagem principal e sua angustia diante da chegada do dia 11, compassada pelos ponteiros de um relógio de parede. Algo está para a acontecer... Essa expectativa criada é interessante por que sabemos, nós espectadores, o que irá acontecer naquele dia 11, mas não sabemos o motivo que causa a insônia da personagem. Teria ela poderes de vidência? A sequência termina com um plano do relógio seguindo seu compasso e ao lado um retrato de família.
Na sequência seguinte mais informações, Hanka, mãe de Selma, personagem principal e que inicia o filme, informa a um visitante, Nedim, que Selma não se encontra, que teria não dormido de noite e que isso se repetia todo dia 11. Algo já aconteceu! E é esse algo que vai sendo aos poucos revelado pelas pequenas e determinantes informações sobre e através de Selma.
A memória e sofrimento das personagens em torno do dia 11 é por conta do Massacre de Srebrenica. Uma ação da Servia em pleno conflito com a Bósnia Herzegovina, que matou naquela cidade cerca de 8 mil homens em cinco dias de genocídio. A cidade naquele momento servia de refúgio para muçulmanos bósnios que fugiam do conflito e foram sitiados e mortos em Srebrenica em julho de 1995.
O quadro desenhado por Lanovic é o emblema do que aconteceu depois. Mãe e filha, duas sobreviventes dos quatro que compunham a família mostrada na foto da sequência inicial, refugiadas em algum outro lugar – não há essa localização no filme – que sonham em voltar para casa. Na verdade Selma ainda sonha, seis anos já se passaram, Hanka já desacredita dessa possibilidade.  
A inserção dos atentados de 11 de setembro de 2001 se dá no momento final, em que Selma, já munida de seus cartazes de protesto cuja procura deles é sua ação condutora até então, chega à associação das mulheres de Srebrenica e sabe do ocorrido. Isso aparentemente desmobilizaria a ação de protesto das mulheres sobreviventes do massacre, ao que Selma estimulada por seu amigo Nedim – único homem do filme, também sobrevivente e que anda numa cadeira de rodas – retoma a marcha reafirmando a necessidade daquela ação, com motivos ainda mais fortes justamente por conta dos atentados.
Não há imagens do World Trade Centre. Todo o ponto de vista se dá através do percurso, absolutamente restrito mas não inerte, de Selma diante de uma condição que de tão adversa, diria mesmo opressora, é capaz de gerar solidariedade ao povo de um país associado direta ou indiretamente aos conflitos contemporâneos, e sempre na posição de, ou aliado ao opressor.
 O filme de Lenovic é íntegro em sua perspectiva política e na possibilidade de abordagem do tema. Ao invés de tratar diretamente dos atentados de 11 de setembro, o integra historicamente num contexto de outros atentados tão ou mais cruéis e devastadores que o ocorrido em Nova Iorque. Na guerra todos perdem, ou quase todos. E os polos do conflito – que não são postos em oposição direta nesse caso específico – podem se diluir com os horrores que ele gera.
Mesmo que a característica do 11 de setembro seja a da diversidade de olhares sobre o atentado, cada um deles pode ser um emblema dessa ação fílmica e política. Cada qual fala de suas dores e as aproxima de forma crítica e/ou solidária aos norte americanos. Eis a complexidade que transforma o filme em ação política. Uma abertura de abordagem muito mais rica certamente do que um lamento e reafirmação dos tão publicizados e problematizados valores do way of life.  Não seria diferente, ao reunir cineastas como Makhmalbaf, Iñarritu, Imamura, Tanovic sob a possibilidade, anunciada na cartela inicial e emblema da democracia norte americana, de liberdade de expressão. Não entendo por que eles não gostaram do filme...