11 de setembro, produção franco-britânica idealizada por
Alain Brigand, é um filme político. Ou
mesmo antes disso, uma ação política. A obviedade da primeira afirmação talvez
possa ser questionada pela abrangência da segunda. Um filme que reúne 11 curtas
de durações exatas – 11 minutos 9 segundos e 1 frame - uma referencia à data do
título, 11/09/01, cujo elo principal de ligação são os atentados às torres
gêmeas do World Trade Centre nos estados unidos teria alguma chance de não ser
político? Há quem diga, não conheço mas há de haver, que todo filme é
necessariamente político. Nesse caso especificamente parece difícil de imaginar
o contrário. Mas, e enfim, explico a aparição não tão obvia assim da afirmação
primeira.
O cinema americano, e
mais especificamente o cinema da indústria cinematográfica americana, assume ou
tem um gosto especial por seus embates e afagos com o resto do mundo. E aqui me
permitam essa dualidade, já que assim se porta parte considerável de sua
cinematografia. São inúmeros os filmes que abordam o mal soviético no período
da guerra fria, outros tantos sobre a presença norte americana em guerras – Vietnam,
Iraque - e mais recentemente muitos que contrapõe à civilidade do império os
bárbaros terroristas. O que esperaríamos então de um filme que reúne onze
cineastas para produção de curtas – formato já utilizado com outros propósitos
- em torno de um fato tão delicado para os americanos?
Caso esse fosse um produto da indústria americana
provavelmente sairíamos da sessão, depois de alguma indignação e muito choro,
certos de que nós - nós? – cidadãos ocidentais civilizados jamais iremos
sucumbir aos desvarios do terrorismo. Mesmo esse desenho simplório de abordagem
da questão não tiraria do filme seu caráter político. Porem essa não é uma
produção típica dos grandes estúdios yankees e reúne cineastas não apenas de lugares variados do mundo mas
que expressam forte teor crítico em suas obras. O caráter político do filme,
então, se complexifica, mesmo que não haja propriamente em nenhum dos curtas
que o compõe uma crítica direta ou qualquer tipo de hostilidade às muitas ações
condenáveis dos Estados Unidos. Mesmo assim o filme foi rejeitado por parte da
crítica e do público norte americanos, que o acusaram senão de pouco sensível ao
horror dos atentados, de ser conivente com eles. Fato que possivelmente atesta a
complexidade política afirmada acima.
O curta metragem do cineasta bósnio Danis Tanovic certamente
não é ofensivo aos norte americanos, mas possivelmente não aborda o atentando
do 11 de setembro nos padrões que gostaria o publico que tem como principal ou
mesmo único item do cardápio de filmes as produções da indústria
cinematográfica.
Tanovic, em seus pouco mais de 11 minutos de filme, faz uma
aproximação entre o sofrimento de seus conterrâneos e o dos norte americanos. Tal
paralelo é construído aos poucos ao longo do filme, que nos apresenta
gradualmente informações que criam ao final uma cumplicidade entre os dois
povos, que fora desse contexto seriam tidos como opostos, entre oprimidos e
opressores. A singeleza do filme beira ser piegas, e seu curto tempo não
favorece à narrativa dar densidade dramática à protagonista e à trama, mas, por
outro lado, dá conta de coloca num mesmo patamar experiência tão díspares no
tabuleiro dos conflitos internacionais.
Seguindo a linha narrativa do filme, somos apresentado na
primeira sequência a personagem principal e sua angustia diante da chegada do
dia 11, compassada pelos ponteiros de um relógio de parede. Algo está para a
acontecer... Essa expectativa criada é interessante por que sabemos, nós
espectadores, o que irá acontecer naquele dia 11, mas não sabemos o motivo que
causa a insônia da personagem. Teria ela poderes de vidência? A sequência
termina com um plano do relógio seguindo seu compasso e ao lado um retrato de
família.
Na sequência seguinte mais informações, Hanka, mãe de Selma,
personagem principal e que inicia o filme, informa a um visitante, Nedim, que
Selma não se encontra, que teria não dormido de noite e que isso se repetia
todo dia 11. Algo já aconteceu! E é esse algo que vai sendo aos poucos revelado
pelas pequenas e determinantes informações sobre e através de Selma.
A memória e sofrimento das personagens em torno do dia 11 é
por conta do Massacre de Srebrenica. Uma ação da Servia em pleno conflito com a
Bósnia Herzegovina, que matou naquela cidade cerca de 8 mil homens em cinco dias
de genocídio. A cidade naquele momento servia de refúgio para muçulmanos
bósnios que fugiam do conflito e foram sitiados e mortos em Srebrenica em julho
de 1995.
O quadro desenhado por Lanovic é o emblema do que aconteceu
depois. Mãe e filha, duas sobreviventes dos quatro que compunham a família
mostrada na foto da sequência inicial, refugiadas em algum outro lugar – não há
essa localização no filme – que sonham em voltar para casa. Na verdade Selma
ainda sonha, seis anos já se passaram, Hanka já desacredita dessa
possibilidade.
A inserção dos atentados de 11 de setembro de 2001 se dá no
momento final, em que Selma, já munida de seus cartazes de protesto cuja procura
deles é sua ação condutora até então, chega à associação das mulheres de
Srebrenica e sabe do ocorrido. Isso aparentemente desmobilizaria a ação de
protesto das mulheres sobreviventes do massacre, ao que Selma estimulada por
seu amigo Nedim – único homem do filme, também sobrevivente e que anda numa
cadeira de rodas – retoma a marcha reafirmando a necessidade daquela ação, com
motivos ainda mais fortes justamente por conta dos atentados.
Não há imagens do World Trade Centre. Todo o ponto de vista
se dá através do percurso, absolutamente restrito mas não inerte, de Selma
diante de uma condição que de tão adversa, diria mesmo opressora, é capaz de
gerar solidariedade ao povo de um país associado direta ou indiretamente aos
conflitos contemporâneos, e sempre na posição de, ou aliado ao opressor.
O filme de Lenovic é
íntegro em sua perspectiva política e na possibilidade de abordagem do tema. Ao
invés de tratar diretamente dos atentados de 11 de setembro, o integra
historicamente num contexto de outros atentados tão ou mais cruéis e
devastadores que o ocorrido em Nova Iorque. Na guerra todos perdem, ou quase
todos. E os polos do conflito – que não são postos em oposição direta nesse
caso específico – podem se diluir com os horrores que ele gera.
Mesmo que a característica do 11 de setembro seja a da
diversidade de olhares sobre o atentado, cada um deles pode ser um emblema
dessa ação fílmica e política. Cada qual fala de suas dores e as aproxima de
forma crítica e/ou solidária aos norte americanos. Eis a complexidade que
transforma o filme em ação política. Uma abertura de abordagem muito mais rica
certamente do que um lamento e reafirmação dos tão publicizados e
problematizados valores do way of life.
Não seria diferente, ao reunir cineastas como Makhmalbaf, Iñarritu,
Imamura, Tanovic sob a possibilidade, anunciada na cartela inicial e emblema da
democracia norte americana, de liberdade de expressão. Não entendo por que eles
não gostaram do filme...