terça-feira, 25 de maio de 2010

Sobre Acaso e Documentário - semi final


Essa é a capa do CD, feita por Tenille Bezerra, com a versão semi final de minha dissertação de mestrado. Foi entregue ontem, dia 24.05. A defesa será dia 28.06. Tenho mais alguns dias para complementar os capítulos e as análises dos filmes Santiago, de João Salles, O Fim e O Princípio, de Coutinho, e Aboio, de Marília Rocha. publico aqui parte da apresentacão. Para quem tiver interesse, em breve todo o texto deve estar postado no site da Pós Com Facom-UFBA. a imagens é uma referencia ao filme Um Homem com uma Câmera, do cineasta Dziga Vertov.


1. Introdução

1.1 O ACASO E SUAS EMERGENCIAS NO CINEMA DOCUMENTÁRIO

Pensar o acaso no filme documentário implica uma diferenciação que possivelmente permeia as principais questões desse gênero do cinema. Por um lado temos nossa experiência real, comum. A forma como compartilhamos e concebemos a realidade, e no caso específico do interesse dessa pesquisa, como entendemos e diferenciamos essa esfera em que nos constituímos e construímos ao mesmo tempo, de forma direta, imediata, e a experiência de sermos convocados à fruição de uma obra que é construída a partir dessa mesma realidade. O acaso na vida parece óbvio, no filme nem tanto.

Porém, ao longo da história do cinema documentário valores que estão associados à realidade, como a casualidade, a espontaneidade, imprevisibilidade, indeterminação e autenticidade, que aqui estão sob a idéia genérica de acaso, serão projetados enquanto valores na forma de pensar e fazer os filmes assim identificados. Vertov, Flaherty, Grierson, Rouch, Drew, entre outros, se posicionaram em diferentes momentos sobre as formas de representação do real, seu alcance, suas limitações, sua natureza. E em diferentes graus é possível localizar a importância do dialogo com esses valores associados à realidade que de alguma forma são projetados nas obras.

Na atualidade não é raro lermos ou ouvirmos cineastas e teóricos se referirem ao desconhecimento do resultado que um filme pode ter, justamente pela valorização, no discurso ao menos, de modos de composição susceptíveis às instabilidades de contextos e personagens reais. Aqui também se faz necessário uma diferenciação. O acaso pode estar, e talvez sempre esteja em um processo de produção de filme documentário. Talvez não devamos nem mesmo restringi-lo à esfera apenas do documentário, ou mesmo do cinema. Mas, se assumirmos a obra enquanto entidade autônoma, que em si traz o estímulo suficiente para sua apreciação e análise, como compor e/ou identificar elementos atribuídos à experiência imediata em um produto proveniente do que lhe parece oposto? Resultado de uma composição, do manuseio e combinação de elementos para funções e efeitos intencionais.

A presente pesquisa parte da constatação do apelo que é feito às imprevisibilidades do real em concepções do cinema documentário, e busca problematizá-las assumindo a obra como inicio e fim de suas possibilidades. Um pressuposto implícito a essa postura é o direcionamento do olhar para o filme documentário enquanto obra artística. Tal gênero, por diversos motivos que vão desde sua abrangência, seu caráter de representação da realidade, suas intercessões com a antropologia, com o jornalismo, com as artes plásticas, traz consigo um volume grande de abordagens que ora o especifica como fruto de um saber histórico, factual, que atribui uma função informativa, uma responsabilidade social, ora desacredita de uma especificidade possível e afirma que tudo é ficção. A identificação do valor do acaso no cinema documentário, sob a perspectiva dos modos de composição, não se situa necessariamente em nenhum desses pólos extremos. Tal perspectiva assume como possibilidade de análise do filme documentário não o que é dito ou mostrado, mas como é mostrado, como são agenciados os elementos sensíveis na composição de uma obra de expressão própria. Para tanto foi necessário estabelecer um diálogo entre a tradição teórica do gênero com outros campos do conhecimento ainda poucos aplicados a ele para buscar novas formas de compreensão dos filmes e contextos abordados. O acaso, como é entendido nesse trabalho, assumiu diferentes contornos na história do documentário. Vertov, na década de 1920 já apontava para esse aspecto ao afirmar que seu cinema buscava mostrar “a vida como ela é”, a “vida de improviso”. Flaherty, Grieson e os cineastas que compuseram o grupo de produção britânica do final da década de vinte e boa parte de década de trinta, entre eles o cineasta brasileiro Alberti Cavalcanti, apesar de serem responsáveis pela institucionalização de um padrão que minimizava o acaso afirmavam uma função pedagógica pela realidade que era mostrado no filme. Na década de 1960 teremos a emergência de alguns grupos de cineastas que vão marcar uma virada estilística no documentário. Os grupos, reunidos em dois principais movimentos, o Cinema Direto e o Cinema Verdade, vão munidos de novos equipamentos de captação de áudio sincrônico e câmeras mais leves de 16mm experimentar diferentes modos de se inserir, captar e compor filmes a partir de valores que ressaltam por um lado a espontaneidade e autenticidade, por outro a construção conjunta e declarada de uma realidade expressa nos filmes. Nesse momento teremos mais claramente a presença de elementos do acaso nos filmes, a partir de utilização de mecanismos que veremos mais detidamente no segundo capítulo dessa pesquisa.

Atualmente, com um grau maior de complexidade e ainda mais abrangente em modos de representação o documentário apresenta formas variadas de construção de elementos que investem numa abertura do processo de composição para os estímulos imprevistos dos contextos e personagens reais abordados e que estão presentes nos filmes também de forma variada.

O esforço maior desse estudo foi o de buscar através da perspectiva de análise interna da obra compreender a presença dos valores associados ao acaso: espontaneidade, imprevisibilidade, indeterminação, autenticidade; no corpo da obra, potencializando um olhar contextual a partir dos impulsos artísticos e de programas poéticos. Para tanto foi traçado três linhas de abordagem, interligadas, que foram estruturadas da seguinte forma: problematização e escolha de chaves analíticas para o cinema documentário; contextualização histórica do apelo e da presença efetiva do acaso nos filmes; e a aplicação dessa perspectiva de análise em filmes atuais do cinema documentário, distintos em suas propostas de realização, mas que mostram a intenção de expor esses valores materializados no corpo da obra.

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